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  • 12-13 de Abril de 2021 – Evento Online
  • #createbrazil

A Coleção Leila Míccolis

A Coleção Leila Míccolis Brazilian Alternative Press, hospedada no setor de Coleções Especiais da biblioteca da Universidade de Miami, consiste, principalmente, de periódicos e panfletos contraculturais e políticos, poesia neo-concreta, bem como outras experimentações artísticas de vanguarda, fanzines, resenhas de filmes, publicações universitárias, teatro e expressões musicais.

Contrapondo a imprensa comercial e amplamente difundida pelos órgãos “oficiais” brasileiros, as publicações contidas na Coleção lidam, especialmente, com grupos marginalizados e/ou estigmatizados, como afro-brasileiros, mulheres e minorias sexuais. O acervo cumpre esse objetivo ao utilizar diversos meios, incluindo obras literárias, cartuns editoriais, quadrinhos políticos, críticas sociopolíticas da brasilidade, humor e promoção de conscientização ecológica e do meio ambiente. A Coleção também reúne uma grande variedade de materiais do movimento Marginália dos anos 70, termo utilizado para descrever uma série de publicações alternativas distribuídas durante a ditadura militar. O arquivo foi meticulosamente coletado, ao longo de 45 anos, por Míccolis, cuja decisão de alocar o acervo em uma universidade norte-americana foi pensada para assegurar a preservação do material, bem como prevenir sua censura.

Sobre O Acervo Que Leva O Meu Nome

No começo, era uma feroz ditadura militar, com periódicos cumprindo seu papel de resistência e intercâmbio. Nesta época, a imprensa literária foi de vital importância para que as ideias continuassem circulando e para que mantivéssemos nossas mentes claras e ativas, focadas nos ideais democráticos. Logo, extrapolando a alçada das Letras, este tipo de ativismo também servia para que nos sentíssemos vivos. Por todo o Brasil, a cada dia, nasciam novos "nanicos" culturais – jornais pequeninos, miúdos, de tiragem minúscula, sem periodicidade certa, desafiadores e ágeis – funcionando como se fossem “comícios relâmpagos,” difíceis de serem localizados a tempo pela polícia e, portanto, difíceis de serem reprimidos e silenciados. Esta era a estratégia: mesmo que muitos não fossem abertamente de oposição ao regime político, só a existência deles já incomodava bastante o Estado de exceção. "Você corta um verso, eu escrevo outro (...) De repente, olha eu de novo.... (...) Que medo você tem de nós" (trechos da letra da composição Pesadelo, de Paulo Cesar Pinheiro).

Sinto muito orgulho de minha participação intensa nesta movimentação e de termos, Urhacy Faustino e eu, guardado em casa, por trinta anos, desde jornais de médio porte – considerados comerciais pelos anúncios, pelas grandes tiragens, e por serem vendidos em bancas de revistas, entre eles Pasquim, Movimento, Lampião da Esquina, Flor do Mal –, até corajosas folhas mimeografadas, cujos responsáveis podiam ser inclusive enquadrados na Lei de Segurança Nacional, se suas publicações fossem ardilosamente taxadas de panfletos subversivos. Na grande maioria destes alternativos tive/tenho muitos amigos e colegas, irmanados na busca de novos espaços, de transformações comportamentais, de questionamento de padrões estereotipados, de uma maior conscientização quer no âmbito social quer no individual.

Graças à esta amorosa preservação cultural é que vocês podem consultar hoje este importante acervo, projeto multidimensional de grande valor também emocional para os que dela participaram, constituído de uma imensa variedade de notícias, de propostas, de temas (psicologia, literatura, música, defesa ambiental, grupos estigmatizados, fanzines contraculturais, etc.). Então, bem-vindos à Sociologia, à História, à Historiografia, à Literatura e aos usos e costumes brasileiros.

Leila Míccolis

Advogada, Mestra, Doutora e com Pós-doutorado em Ciência da Literatura / Teoria Literária (UFRJ), escritora de livros, TV, teatro e cinema

Para Steven Butterman, em 25/11/2019